Ó meu doce José António Almeida
ouvi dizer que a verdade era no nosso tempo
uma arrogância reprovável
e imaginei a seguinte anedota:
num consultório, um médico
esconde o mal ao doente
e lê-lhe um poema
porque é tudo uma questão interpretativa.
Mas eu, que não tenho a certeza de ouvir a verdade
se ela viesse de um carvalho
ou de uma pedra
(lembro-me agora que me deteria se fosse do Álvaro Lapa)
e a quem, inversamente a Sócrates,
me surge a verdade como um daimon
– autêntica instância recalcada da instância recalcada –
insisto nela como no Totobola
rio-me com a arrogância de um palhaço rico
e extraio a inferência
de que é tão bom viver na província
com o mar aqui tão perto
estâncias balneares e equipamentos turísticos
(p.10)