António Aragão
«Figura matricial», assim testemunhada por Ana Hatherly, da Poesia Experimental Portuguesa, que podemos afirmar como uma (neo)vanguarda entre os anos sessenta e oitenta do século passado, o seu nome surge-nos, quase exclusivamente, a ela associada, e menos de forma autónoma, pela sua vasta e diversa obra individual.
Uma explicação para que assim seja deve-se, em parte, ao resultado da construção de uma nova prática estética, inerentemente política, que o envolveu: as teorizações e cronologias que desde cedo houve necessidade de construir pelos próprios poetas, a fraca recepção crítica ou mesmo a sua ausência e, relativamente a esta, a pouca resposta que lhe foi dada.
Mas também porque as práticas criativas de António Aragão e seus resultados envolveram sempre um movimento (com minúscula) de circulação, de diálogo(s) contínuo(s), e de constante co-laboração na pesquisa, descoberta e concretização, a par da recusa de uma ideia de artista-figura, acompanhado de uma intencionalidade sempre mais subversiva do que interventiva, mais satírica, humorística e corrosiva do que formal.
Este livro surge por isso com um duplo propósito. Por um lado, assinalar o centenário do nascimento deste poeta e, com a fidelidade possível — na composição e no conteúdo —, apresentar uma selecção abrangente onde se procurou fazer sobressair a vertente poética da sua obra. Por outro, tornar patente o seu papel de dinamizador (em sentido literal e metafórico), de investigador permanente e criador em várias artes, cuja produção e capacidade mobilizadora fez coincidir diferentes artistas e poetas, ajudando a inaugurar um novo momento no panorama literário (e não só) português, na década de sessenta, prolongado de forma autónoma até hoje.