Trata-se de páginas de literatura gótica que se mostram com um sensual e vigoroso vampirismo, onde Sheridan Le Fanu saberá contar uma inusitada história que se passa entre duas mulheres…
Em 1872, um ano antes da sua morte, publica aquele que será o seu livro que melhor resistirá ao tempo, o mais célebre: In a Glass Darkly, um conjunto de novelas onde Carmilla está incluída, embora já tivesse surgido com forma de folhetim na revista The Dark Blue. Antes de mais, notem-se estas palavras que a respeito desse texto vampírico escreve Gaïd Girard: «Carmilla é um texto singular. Ao mesmo tempo típico, à maneira de Le Fanu, e único na sua produção. Enigmático e inesperado. De facto, pode ler-se com facilidade esta história como a narrativa dos amores sáficos de Carmilla, a morena voluptuosa, e de Laura, a loira assustada. A dimensão erótica da figura do vampiro, habitualmente oculta, é nela evidente. […] Colocar em cena um vampiro feminino a atacar uma jovem é instalar uma sobredeterminação erótica no texto; é acrescentar a proibição da homossexualidade feminina à transgressão carnal das fronteiras entre a morte, o amor e a vida, específicas do mito vampírico. Nenhum dos textos precedentes de Le Fanu leva a um semelhante ponto de incandescência a mistura do erótico e do monstruoso. Nas suas narrativas góticas, Le Fanu está mais do lado de Ann Radcliffe do que do lado de M.G. Lewis e do seu The Monk lúbrico. […] O que este texto tem de ardente é o excesso de uma indizível sexualidade com a sua origem na relação desvairada de um corpo de mulher noutro corpo de mulher. Não esquecer que Carmilla e Laura pertencem à mesma família do lado das suas mães, o que põe uma sombra incestuosa a pairar sobre os seus amores.»
Poderá dizer-se que isto é ponto assente nesta novela de Sheridan Le Fanu, onde a sensível qualidade literária que ele compõe com uma batuta na mão também tem algo a dizer. É evidente que as bem conscientes e trabalhadas marcas de estilo identificam um escritor, portanto é de notar que a prosa de Carmilla se faz ouvir como uma delicada melodia de sublime estilo, que se verifica constantemente preocupada com os pormenores que a constituem. Falar-se-ia de perfeição, mas não se ousa tal coisa. As suas palavras encontram-se numa condição de lascívia a sustentar uma completa harmonia que conduz a um enormíssimo prazer literário.
[Diogo Ferreira]