Nenhum instante, por mais breve que seja, volta para trás. A imagem da ampulheta, mesmo que congelada e fixa no quadro e cristalizada pelo olhar da pintura, é dinâmica. É precisamente isso que está aqui em causa na expressão do memento mori. «Lembra-te de que estás a morrer.» O complemento directo é o infinitivo do verbo depoente. O presente do infinitivo do verbo depoente é «estás a morrer», «lembra-te de que estás a morrer». Eu não estou a morrer só quando me lembro disso. Eu estou continuamente a morrer. E é justamente isso que aqui está de alguma forma em causa. E o que se pensa — e isto é uma forma estratégica muito antiga — é que ao olhar a morte, ao pensar uma representação da morte, há uma convocação, há o conjuramento de uma possibilidade aparentemente adormecida. É isto o que acontece na nossa vida: todos nós sabemos que vamos morrer. Estatisticamente, até agora, toda a gente tem mor- rido, mas pode ser que a morte se esqueça de mim, que eu possa continuar para sempre. É essa lembrança contínua, absolutamente adormecida, de que um dia vou morrer a mensagem do quadro. Embora, ao olhar o quadro, possamos continuar adormecidos. Vamos morrer um dia, sim, mas para já não.