ÁLBUM
Na minha família ninguém morreu de paixão.
Muito sucedeu, mas nada um mito alimentaria.
Romeus tuberculosos? Julietas com difteria?
Houve quem vivesse e chegasse a ancião.
Nenhuma vítima por falta de resposta
a uma carta em lágrimas banhada!
A vizinhança acorria sempre apressada,
com rosas e lunetas, muito bem-disposta.
Não houve quem asfixiasse no guarda-fatos
porque o cornudo chegou cedo demais.
Imperturbáveis, com folhos, atilhos e sinais,
pousaram serenos em todos os retratos.
Sem terem na alma um Bosch endiabrado!
Sem andarem de pistola em riste pelo quintal!
(Uns morreram com um tiro na cabeça, acidental,
levados em macas de campanha, pelo verde prado.)
Até mesmo esta com o seu belo penteado
e olheiras de quem passou a noite a dançar,
numa grande hemorragia se foi a navegar
mas não de dor e não até ti, dançarino apaixonado.
Antes do daguerreótipo, talvez algum familiar –
mas do álbum nenhum, tanto quanto se sabia.
Tristezas volviam sorrisos, ao dia seguia-se outro dia,
e eles, consolados, de gripe acabam por finar.
(p.19)