Um Bicho da Terra – Agustina Bessa Luís

25.00

“… O quadro que Rembrandt intitulou Filósofo em Meditação, pintado em 1632, podia ser inspirado no período de excomunhão mais doloroso de Uriel da Costa. Não só Rembrandt fora vizinho de Jácome Rodrigues, como tinha com certeza relações com a família, bem firme na finança e capaz de significar a clientela estimável.
A tela representa um velho sentado ao lado da mesa de estudo, numa sala de rés-do-chão, provavelmente aproximada ao que hoje se chamaria sala comum. Ao mesmo tempo átrio e escritório, é em parte espaço para a escada que se abre em leque, na ampla estrutura dos degraus de madeira; desenha-se depois de uma espiral impressionante na solidez que parece chamada e abismo transcendente ao mesmo tempo. A escada é uma personagem atónita, grave, escrupulosa. Enquanto a criada (sem idade, uma magra mulher no campo que tem no gesto o habitual castigo do plantar e do recolher) se dedica a alimentar o fogo da lareira, o filósofo, com as mãos cruzadas no regaço, claramente abandonado aos seus pensamentos, mais do que consciente do acto de pensar, parece caído na ingenuidade do sábio cego às verdades adquiridas como realidade objectivas. A vida de Uriel não ocupa o centro da perspectiva; é a escada, com a sua revolução perdida na altura, que se manifesta como coisa intencional. Uriel está à parte, munida da disposição de espírito necessária para penetrar no mundo desconhecido, perante o qual todas as maneiras de pensar e todos os conceitos já declarados não servem de ajuda. A sua alma – e trata-se da alma e das suas insondáveis fronteiras – acha-se identificada com o agrimensor de Heráclito, onde Kafka o sentido do seu Castelo: “Nunca encontrarás os limites da alma, mesmo se tu medisses todos os caminhos: tão imensa é a sua profundidade”…

Esgotado

Descrição

Um Bicho da Terra
Agustina Bessa Luís
Guimarães Editores, Lisboa
1ª edição, 1984