(Org.) Guilhermina Jorge, Jean-Pierre e Etienne Rabaté
Um poema de Jacques Redà
“A COSTURA
No fundo do pátio azul onde as tílias remexem,
A velha senhora, de avental preto e azul, cose.
Tudo parece certo aqui quando se vem da rua
No entanto calma ao domingo, com o céu muito
Mais profundo e majestoso do que habitualmente
E que se abre entre os telhados como um largo funil
De luz onde se derrama uma nuvem. A tarde
Chega. Mas a hora está na plenitude
Em que repousam em Maio as longas tardes
Quando, das árvores que nada ainda inquieta,
Desce um restolhar de páginas que se folheia
E o estertor voluptuoso de um pombo entorpecido.
Não sei que porta por acaso empurrei:
A senhora de preto e azul olha-me. Cose
Uma precisa aba de sombra à toalha salpicada
De sol em que flutuo. E sinto num repente
Que ambos iremos em breve, se me demorar,
Reconhecer-nos sem poder transpor essa fenda
Que foge sob as tílias através do pátio”.
(p. 213)