O desafio de Warburg reconhece-se no modo como constrói uma inédita proposta interpretativa, perseguindo o fio e a meada das relações existentes entre as obras e as fontes literárias e artísticas da Antiguidade (Ovídio, Claudiano, um krater, um fragmento da arte tumular romana, entre outras), as artes, poética e figurativa, do Renascimento (Poliziano, Agostino di Duccio, Donatello), temas que são objecto de elaboração teórica (a representação do movimento, como Alberti recomenda) e, ainda, aspectos da vida coeva às obras, numa importante alusão a Burckhardt, quando narra o episódio de Simonetta Vespucci e Juliano de Médici. À semelhança do que acontece com a Giostra de Poliziano, que simultaneamente celebra o torneio de 1475 e recupera referentes Antigos, também o retrato de Simonetta é idealizado como sendo o de uma ninfa, em parte Antiga em parte Renascentista. Estas distintas relações convergem nas obras de Botticelli configurando-as como campos de materiais heterogéneos e tempos anacrónicos, como objectos particularmente contraditórios. Com efeito, a Warburg não escapa a tensão ínsita na contraposição entre a impassibilidade do rosto de Vénus e, por outro lado, a desordenada agitação dos seus cabelos e da paisagem, nem o deslocamento que ocorre entre um sarcófago Antigo e a pintura, transformação do pathos de uma lamentação fúnebre em pathos erótico. Para Warburg, é através destes movimentos que se manifesta o influxo do paganismo na arte do Renascimento, nos antípodas da «sossegada beleza» de Winckelmann. Às representações apaziguadas da história, Warburg contrapõe uma genealogia de temas, motivos e formas, atenta à sua fundamental abertura e contradições, na linha da investigação filológica e crítica de Nietzsche, leitura que marcou decisivamente a sua juventude.
Aby Warburg (1866-1929), historiador de arte e da cultura, judeu de sangue, hamburguês de coração e de alma florentina, fundou em Hamburgo a Kulturwissenschaftlichen Biblioteca, que acolheu Bing, Saxl, Cassirer e Panofsky, mais tarde transferida para Londres dando lugar ao Warburg Institute, instituição que Gombrich dirigirá durante décadas.
Centrado sobre o tema do influxo do paganismo na arte do Renascimento, Warburg cunhou as noções de fórmula-de-pathos, sobrevivência e polaridade, manifestando uma marcada atenção em relação ao conceito de empatia, no que este tem de formador e de transformador. Ao alargar, conceptual e metodologicamente, o âmbito da investigação em arte, inventou no seu tempo e para o nosso tempo um novo saber das imagens. Com efeito, Botticelli, Ghirlandaio, Leonardo, Durer e Rembrandt, a Ninfa, os gestos, a caricatura e a astrologia, a psicologia dos estilos, a teoria da memória e a antropologia dos mitos, convergem para a constituição de uma disciplina sem nome que rompe com os modelos da tradição historiográfica, em favor de um pensamento sempre em devir, atento ao anacronismo e à heterogeneidade dos materiais que constituem as imagens.