CORO PARA A LAMENTAÇÃO DA VIDA FÁCIL
(a propósito de Andy Warhol)
Espera-se um dia sujo:
o conforto e o seu néscio sorriso:
tons plúmbeos disfarçam as coisas:
o que era preparatório ficou fundamental:
rios exangues atravessam como que cidades onde
um ritmo monocórdico lateja: tudo resulta em ordem:
fora dos jardins, previsivelmente, as coisas vicejam:
uma arquitectura tensa lembra o trabalho: fatos de treino
rebelam-se s/esforço contra deuses fracos: uma ética
da não-transgressão parece permitir o máximo:
o amor às coisas, o valor da morte.
Uma pressão omissa
nivela o que se conseguiu:
uma eficiência compulsiva,
mera ideia da perfeição
sobre a nulidade do método.
Vive-se bem:
amor e tédio na barriga da alma vazia,
química mansa excedida em devoções a filmes
e ao que é alheio: ninguém está próximo:
a eclesiástica claridade do paraíso
(virtual e espectacular como são os paraísos)
ateia-se em todos os televisores;
o mundo é o mesmo: ignoram-se resíduos intelevisíveis,
interfaces
com outra espécie de sonhos nascidos para a não consumação
que, numa espécie de vida,
prolonga o alvorecer.
Imperceptível a aura da sorte (existirá?):
existem formas óbvias de saltos na vida e recusámo-las:
movimentos progressivos no lugar da alma:
a roupagem da realidade investida na mítica do regresso
a um resquício da natureza: trilham-se bailados mecânicos:
a moda vence – é a condição do jogo.
Enquanto uma arqueologia das evidências se define,
o crepúsculo força uma opção mínima:
quase se deseja qualquer coisa
ainda não regulamentada,
como se a noite não fosse sempre triunfal,
como se algo de não consensual
terminasse
e pudesse ser verdade.
Um discreto sossobrar antecede
o tempo subtil da máxima insignificância:
continuamos.
(pp. 5 e 6)