Levar Caminho III – Manuel de Freitas

22.00

INVENTÁRIO PLEBEU

para o José Miguel Silva

A verdade, digam lá o que disserem,
é que tivemos muito pouca sorte
com os poetas (?) nossos contemporâneos.

Um nasceu em Galveias e tatua-se
ou alfineta-se para disfarçar um vazio evidente;
outro gosta de andar nu em Braga,
muito depois – e aquém – de qualquer Pacheco.
(Ignoram, ambos, que a única pila maior
do que o mundo era a do João César Monteiro.)

Um terceiro, cujo nome nunca escreverei,
é a mulher moderna da edição
às cegas e da sacanice quotidiana. O quarto
ou o quinto (gabo quem os logra distinguir)
arrotam melancolia e não admitem
o mínimo desvio à sacrossanta transfiguração da lírica.

O sexto – não, não me apetece falar aqui do sexto.

Consola-nos, isso sim, saber que uns se tornaram
entretanto romancistas (pilim, pilim), e que os restantes
hão-de ser, muito em breve, ministros
ou apenas pulhas (é, no fundo, a mesma coisa).

Enquanto, de esgoto em esgoto,
Portugal progride a olhos vistos
e é bem capaz de levar, um dia destes,
com outro Nobel nas trombas.

(p.194)

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Descrição

Levar Caminho III
Manuel de Freitas

[reunião dos seguintes títulos: Jukebox 2; Intermezzi; Boa Morte;
A Nova Poesia Portuguesa; Motet pour les Trépassés; Cinco Poemas Avulsos;
Jukebox 3; Portas do Mar; Marilyn Moore; 18 de Abril; Cólofon; Pontas do Mar; Ubi Sunt]

com capa de Luis Henriques
a partir de fotograma de ‘O Espelho’ de Andrei Tarkovsky

arranjo gráfico de Pedro Santos

Averno
Janeiro de 2024