Em 2003, a estação de rádio France Culture convidou Daniel Arasse para desenvolver uma série de emissões sobre pintura, que viria a ter um notável sucesso junto do público. Transcritas posteriormente, apresentam-se agora, pela primeira vez, em língua portuguesa.
Com o entusiasmo e a audácia interpretativa do seu olhar, com uma linguagem direta e simples, Daniel Arasse propõe-nos uma nova leitura crítica de obras que vão desde a pintura tardo-medieval de Siena até às Meninas de Velásquez, desde a Gioconda de Leonardo até Anselm Kiefer. Nelas aborda a temática de Anunciação e as problemáticas da perspectiva, do restauro e da exposição; procede ao elogio e à crítica do anacronismo na história da arte; elabora sobre a especificidade de uma história na era do museu e dos meios técnicos como a fotografia – que praticava -, definindo novas condições de visibilidade da pintura e abrindo novas possibilidades de interpretação. O impacto do pormenor pictórico e a lógica dos estilos – extravasando a mera apreciação estilística ou estética -, a retórica e a arte da memória, o espectador e a política, mas também, a emoção e a regra, o nada e o desejo, tornam-se tópicos essenciais de uma experiência da história da arte que questiona os seus próprios objectos, saberes e métodos de investigação, para se renovar.
Nesta incursão, o exercício pedagógico de transmissão e partilha confirma todo um processo de investigação pleno de folgo teórico e crítico, no qual se construiu uma das mais singulares vozes da história da arte do nosso tempo, que aqui nos deixa o derradeiro testemunho de um percurso intelectual apaixonado e fundamentalmente dedicado à história da pintura.
Daniel Arasse (1944-2003), historiador de arte, foi diretor de estudos na École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris. Deixou-nos uma vasta produção científica dedicada à imagem pictural, tendo-se debruçado sobre a arte do Renascimento italiano, mas, também, sobre a arte flamenga e francesa sos séculos XVII e XVIII, em obras como L’Ambition de Vermeer (1993), Leonardo da Vinci. Le rythme du monde (1997) e L’Annonciation italienne. Une historie de perspective (1999). Cedo refutou a condição de especialista ao interrogar os métodos e as condições subjectivas de interpretação, desenvolvendo mais tarde um olhar aproximado aos detalhes, icónicos e plásticos, da pintura. As suas obras de cariz marcadamente teórico como Le Détail. Pour une historie rapprochée de la peinture (1992) ou Le Sujet das le tableau (1997) propõem uma abordagem analítica da iconologia na qual se defende um regime de sobredeterminação dos conteúdos imaginais e figurativos. Ao construir uma nova forma de descrição estética e de interpelação anacrónica das obras, a sua investigação deixou-se surpreender pela força da criação visual e pela poética intempestiva das mesmas. Assim, em 2000, publica Não se vê nada. Descrições (trad. pt. KKYM, 2015), a partir da paixão e da cegueira pela pintura, o que lhe permitiu, sobre rigorosas bases crítico-metodológicas e com imaginação, sagacidade e humor, inaugurar um novo estilo discursivo, que culmina nestas Histórias de Pinturas.