António Cícero
Nasceu no Rio de Janeiro, em 1945.
Poeta e ensaísta, participa em diversas antologias de poemas e colectâneas de ensaios. Entre outras coisas, é autor do estudo filosófico O mundo desde o fim (Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1995) e organizador, junto com o poeta Waly Salomão, da selecta de ensaios O relativismo enquanto visão do mundo (Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1994). É autor de diversas letras de música, tendo como parceiros e intérpretes Marina Lima, João Bosco, Adriana Calcanhotto e Caetano Veloso, entre outros.
GUARDAR
Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la. Em cofre não
se guarda coisa alguma. Em cofre perde-se a coisa à vista.
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto
é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.
Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por ela, isto é,
velar por ela, isto é, estar acordado por ela, isto é, estar por ela
ou ser por ela.
Por isso melhor se guarda o vôo de um pássaro
Do que pássaros sem vôos.
Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica, por isso se
declara e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.
(p.11)