Colóquio dos Simples – Nunes da Rocha

12.00

“Nunes da Rocha (Lisboa, 1957) é um dos poucos poetas contemporâneos que parece não ter prescindido dessa antiga e medieval herança de aliar ao lirismo uma acentuada pitada de escárnio e maldizer. Ciente da riqueza polissémica dos nomes próprios, o poeta radicado em Almada não hesita em convocar à mesa dos seus poemas nomes como Bocage, Pessoa, Mário (Cesariny?) e Virgílio, o romano. O subtítulo “(Do Bispo de Carenque, do Vesgo Amoroso & de Outros Ortónimos)” abre portas a um possível jogo de espelhos, de pequenos desvios e desdobramentos, operados pelo sujeito lírico (quiçá, devêssemos até servir-nos aqui do plural?).

No primeiro e no segundo poema, o primeiro apelido do autor é referido na segunda pessoa, pelo “Bispo de Carenque”, como se referisse um amigo de taberna: “Personagem, mais o meu amigo/ Nunes*, com umbigo já prós lados/ Da Porcalhota” (p.8); “Nunes amigo,/ Quando procuras o hexâmetro/ Do dia,/ E laureada metáfora,/ Eis que jacto de polvo e vinho tinto,/ Em arranque visceral à vista de todos,/ Te põe na história da literatura” (p.9).

A referência ao nome autoral, na terceira pessoa, permite esse tipo de distanciamento auto-irónico que já encontrávamos em alguns poemas, lá está, de Bocage (Já Bocage não sou!… À cova escura/ Meu estro vai parar desfeito em vento…), do pessoano Álvaro de Campos (Olha pra mim: tu sabes que eu, Álvaro de Campos, engenheiro,/ Poeta sensacionista,/ Não sou teu discípulo, não sou teu amigo, não sou teu cantor,/ Tu sabes que eu sou Tu e estás contente com isso!) e Cesariny (Antes andar por aí relativamente farto/ antes para tabaco que para cesariny/ (mário) de vasconcelos”. Apesar destas relações intertextuais, os poemas nunca parecem ascender acima do “(…) cheiro a urina velha” (p.46), parecem voar tão alto quanto a “mosca” que cai no vinho (p.31).

Num entrevista concedida a Diogo Vaz Pinto, no Jornal i, o poeta assume esse desejo de estabelecer na sua poesia vários níveis de leitura, capazes de entreter seja o proletário da construção civil, como os escravos exegetas das mais diferentes academias: “(…)sempre gostei de partir da ideia de que um livro meu deverá poder ser lido por um trolha que esteja na disposição de ler um livro, e que ache ali umas estórias ou frases que puxem por ele. Mas se chegar um académico ou uma pessoa com uma formação intermédia, há-de identificar outro nível de leitura, e se chegar um desses profissionais de leitura, ele irá encontrar isso que acabaste de dizer: este menino sabe da poda, mexe em coisas para as quais é preciso ter noções mais profundas.”

O gosto pelo grotesco, pela beleza que outro poeta português, Joaquim Manuel Magalhães, havia encontrado “nos lustros pretos dos sacos do lixo”, parece indicar um gosto genuíno pelo verdadeiro âmago da vida dos mais simples:

“Vou pela viela como na vida,
Com sentido único atento às sombras.
Que há no fim que não saiba?
Paro e respiro alto
(Ó álcool, ó deuses de coisa nenhuma!).
Uma menina passa a correr e grito:
Come chocolates, pensa em mim quando dormires.
Perto do crime, de olhos fechados,
Os deuses castigam sem saberem.
(p.45)”

Hugo Miguel Santos

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Descrição

Colóquio dos Simples
Nunes da Rocha

Capa a partir de desenho de José D’Alexandre
composto e paginado por Pedro Santos
68 págs.
Averno
2020

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