“Cavala” rasga com tudo, até com o passado de Maria Beraldo. Outrora tocou clarinete e clarinete baixo na banda de Arrigo Barnabé, fez parte dos Quartabê e dos Bolerinho, colaborou com gente como Elza Soares, Negro Leo, Iara Rennó e Rodrigo Campos. Detalhes para ilustrar a nova vida que encontra em “Cavala”, carregada da ambição de se mostrar como compositora e arquitecta de fábulas pop que sejam armas que adociquem ouvidos e transformem mentes.
Maria Beraldo impõe esse carácter transformativo. Todas as suas canções, até a interpretação que faz de “Eu Te Amor”, de Chico Buarque – a única canção de “Cavala” que não é da sua autoria -, vêm carregadas de identidade e da necessidade de contar uma história que explique a urgência em se repensar a heteronormatividade da sociedade. “Cavala” fala de si, fala de uma compositora que impõe anos de estudos e conhecimento em instrumentais pujantes e histórias ricas onde medo, ternura e emancipação convivem.
A si juntaram-se outros músicos, amigos, paulistas, como Tim Bernardes, Tó Brandileone e Mariá Portugal. Fazem-se ouvir, adornando o esqueleto das composições minimalistas de Maria Beraldo, na maior parte compostas apenas com três elementos. Ao longo de “Cavala”, seja no começo fulminante com “Tenso”, a falsa-lullaby “Maria” ou a esquizofrénico-onomatopeia que é “Sussussussu”, existe o desejo de reduzir a forma da mensagem ao essencial: cru, veloz, urgente. Mirabolantes construções pop com uma mensagem identitária e um abastado talento em virar o complexo para um discurso directo, conciso e palpável. Quem disse que os gritos não poderiam ser doces?