Pádua Fernandes
“DISCURSO DA EROSÃO DO FIM DO MUNDO
se, antes de tudo, fosse o rato;
alimentara-se do céu
para que dos buracos abertos
caísse o vazio sobre a terra
e em toda a terra
não houvesse mais riqueza do que roê-la;
porque, antes de tudo, precisaríamos
do rato
a roer o caminho entre o continente e os homens;
a boca do rato: quando ele
encerrasse o seu trabalho,
todos os elementos por ela teriam passado
e o mundo poderia enfim começar;
a digestão do rato: depois
de todos os elementos terem atravessado
a digestão omnívora do rato, a merda
depositada nos esgotos
conheceria todos os elementos
e o mundo poderia enfim começar;
nos dentes do rato: a casa
de tudo viria a nascer:
erosão e saliva;
também a peste seria inútil sem o rato;
ele precederia as duas irmãs,
vida e devastação;
o rato antes do mundo
roera o que seria a luz e a sombra
e não se tornaria jamais luz e sombra
porém fendas
por onde escaparia o nada;
porém, antes de tudo,
não era o rato;
o mundo não pôde começar”
(pp. 58 e 59)